Madrugada
Era domingo de madrugada, e a madrugada traz pensamentos que Ana não consegue permitir durante o dia. A verdade é que ela sempre se sentiu engolida pela pressa dos dias, queimando a língua com café na segunda-feira de manhã, correndo para subir no ônibus, tentando assimilar todas as aulas da universidade, tentando manter sua casa em ordem. De dia as ações de Ana eram a personificação do macarrão instantâneo: Rápidas e na média. Não que ela se orgulhasse disso, mas era o máximo que poderia fazer considerando todas as suas obrigações. Porém, de madrugada, Ana era exatamente quem queria ser e sentia exatamente o que precisava sentir.
O silêncio da noite preenchia sua casa. Adorava escutar os sons distantes de sua vizinhança caótica no coração de uma cidade ainda mais caótica. O Rio de Janeiro reúne beleza e tristeza como nenhum outro lugar e ela sabia bem disso… Dias ensolarados não significam nada quando nos sentimos tropeçar pela vida. Enquanto encarava o teto de seu micro apartamento, Ana pensava sobre flores que nascem no cimento. Como poderia ser possível que por mais que o ser humano tente aterrar a natureza, ela sempre renasce, mais forte e mais notável? Era algo que ela gostaria de conseguir um dia, sempre ressurgir mesmo em meio ao caos, mais forte e mais determinada. Apesar das dificuldades, Ana era uma mulher que sabia o que queria e estava determinada a conseguir. Talvez essa seja a síndrome das mulheres que correm sozinhas pela vida e aprendem a conviver com a solidão: Pequenas dores não são mais suficientes para tirá-las de seus cursos, às vezes nem mesmo grandes dores. O que Ana mais queria no mundo era liberdade, o tipo de liberdade que é tão autêntica que machuca e faz com que pessoas se tornem masoquistas para sentir a dor desse gozo.
Começou a pensar sobre o programa de intercâmbio para o qual estava inscrita, na Escola de Belas Artes de Paris. Talvez essa fosse a oportunidade para ter a aventura pela qual sempre se sentiu sedenta: Largar tudo e ir pra longe descobrir a si mesma e ao mundo. Ana resolveu se inscrever apesar das chances serem ínfimas: Apenas 100 vagas para todos os estudantes de Belas Artes da UFRJ. Porém Ana era sonhadora no nível Walter Mitty: Já havia começado a imaginar cada detalhe de seu quarto no alojamento da faculdade europeia, como absorveria ao máximo cada detalhe das aulas, apesar de não falar nem mesmo uma frase em francês, sobre como desenvolveria sua criatividade artística nas ruas e jardins de Paris… Aqui estava a madrugada e essa era a única coisa na qual conseguia pensar. Ah, possibilidades! Possibilidades nos dão um novo ânimo para a vida e trazem algo que mantém qualquer pessoa inabalável: Esperança.
- Texto classificado em 12/02/2019 para fazer parte do “2º Concurso Literário Conto Brasil” (porém não publicado)
The Wee Hours
It was the wee hours of the morning, on a Sunday. The wee hours bring thoughts that Ana cannot allow during the day. The truth is that she always felt swallowed by the rush of days, burning her tongue with hot coffee on Monday morning, running to get on the bus, trying to assimilate all the classes at the university, trying to keep her house tidy. By day Ana’s actions were the personification of instant noodles: Quick and practical. She wasn’t proud of it, but it was the best she could do considering all of her obligations. However, in the wee hours, Ana was exactly who she wanted to be and felt exactly what she needed to feel.
The silence of the night filled her home. She loved to listen to the distant sounds of her chaotic neighborhood in the heart of an even more chaotic city. Rio de Janeiro combines beauty and sadness like no other place and she knew it well… Sunny days mean nothing when we feel like we’re stumbling through life. While staring at the ceiling of her tiny apartment, Ana thought about flowers that are born in cement. How could it be possible that no matter how much human beings try to land nature, it always reborn, stronger, and more remarkable? It was something she would like to achieve one day, always to resurrect stronger and more determined, even in the midst of chaos. Despite her struggles, Ana was a woman who knew what she wanted and was determined to achieve. Perhaps this is the syndrome of women who run alone through life and learn to live with loneliness: Small pains are no longer enough to take them off their paths, sometimes not even the greater ones. What Ana wanted most in the world was freedom, the kind of freedom that is so authentic that it hurts and causes people to become masochists to feel the pain of that joy.
She started to think about the exchange program for which she applied, at the School of Fine Arts in Paris. Perhaps this would be the opportunity to have the adventure she always felt thirsty for… Leave it all behind and go far to discover herself and the world. Ana decided to apply even though the chances were slim: Only 100 spots for all UFRJ Fine Arts students. However Ana was a dreamer at the Walter Mitty level: She had already started to imagine every detail of her room in the European college dorms, how she would fully take in every detail of the classes, despite not speaking even a sentence in French, she started to imagine how she would develop her artistic creativity in the streets and gardens of Paris… The wee hours were upon her and that was the only thing she could think of. Oh, possibilities! Possibilities give us a new breath of life and bring something that keeps any person intact: Hope.